24 agosto, 2016

A carta

Querido Adalberto,

É verdade que o tempo passou e nos perdemos no giro avassalador da vida. E também é verdade que as oportunidades passaram por nossa porta sem tocar a campainha quando estávamos mais empolgados. Mas o giro constante do mundo é cruel e somos pequenas partículas de sonhos esquecidos do passado. Talvez os caminhos da terra levem sempre ao mesmo lugar que enfim descansaremos, mas tenho a certeza de que nos falta mesmo é um pouco de coragem. Tenho pena dos dias em que passamos afoitos por um tantinho de vida que fosse, e sinto uma tal nostalgia dos frios na barriga de como quando a gente vive uma coisa pela primeira vez, só que ao contrário. O ser humano é, talvez, o único ser que presenteia a si mesmo com o passado e chora pela inevitabilidade do futuro.

22 agosto, 2016

Rio 2016

As Olimpíadas são um espetáculo pequeno burguês? São. Esse dinheiro todo podia ter sido investido em saúde, educação, cultura e saneamento básico? Claro. A realização desse evento encobriu um monte de maracutaia de toda espécie? Óbvio. Esquecemos do golpe de Estado e do golpe aos trabalhadores, estudantes e pessoas mais pobres pelo atual governo? Corretíssimo. Vimos machismo, racismo, homofobia, xenofobia, mentira e difamação ao longo de todo evento? Não tenho dúvida. Mas outra coisa que vi e não posso deixar de notar é como o esporte foi decisivo na mudança de realidades de vários de nossos atletas e que a presença de um evento despertou, em certa medida é claro, o que de melhor o país pode realizar. Vários de nossos atletas participaram desses jogos e conseguiram feitos inéditos em nossa história olímpica graças aos investimentos que tiveram, graças às apostas econômicas ou afetivas, graças ao trabalho e dedicação de uma porção de gente que não está só produzindo medalha, mas mudando realidades. Todas às críticas à realização das Olimpíadas foram justas e o Brasil quis, assim como a China em 2008, mostrar através dos jogos o seu desenvolvimento para o mundo. Essas foram as palavras de Lula lá em 2009 quando ficamos sabendo que sediaríamos esses jogos. Esse modelo que tentou ser mostrado foi bem sucedido? talvez sim, talvez não, talvez só a história dirá. Contudo, me parece fundamental pensar o que faremos daqui em diante. Não no nosso próximo mega evento mundial, mas em o que investiremos agora e em quem investiremos? Acho que é importante voltarmos nossa atenção novamente para os problemas que virão e que serão muitos, muitos deles retrocessos aos legados das Olimpíadas. Devemos continuar a investir nesses atletas que tanto se dedicaram para esses jogos, mas sobretudo, investir nas estratégias de saídas dessas tantas crises que nos encontramos. Esporte também é cultura, é também educação, saúde, desenvolvimento econômico e social. Não é só com murro em ponta de faca e post indignado no facebook que mudaremos nossa realidade, nem também com um "Não pense em crise, trabalhe" golpista, é enfrentando essa realidade como se fosse uma final olímpica, como se o ouro não fosse só uma medalha, mas todas as medalhas e vidas que querem um mundo diferente. Em 1980, o ursinho Misha chorava pelo fim dos jogos de Moscou, talvez pelo fim do sonho comunista soviético, mas no Brasil ninguém chorou, fora os tacanhas da Globo golpista que agora têm orgulho de serem brasileiros depois de venderem o país. Ninguém chorou no Rio porque muito já se chorou até aqui e como diz aquela expressão muito usada pelas nossas margens, luto para mim é verbo, movimento, batalha e conquista diária de quem quer viver um mundo melhor. Já temos tantos pessimistas, tantos críticos que parecem jogar no outro time, no time que só enxerga a derrota e são tão passivos diante dos ataques dos nossos reais adversários. Críticos que esperam debruçados sobre a janela à passagem da revolução, apostando no bem supremo de um futuro melhor sem sequer fazer da realidade o campo de obras ou de batalha para esse tal futuro. Já me cansei desses pessimistas, quero aqueles que dizem sim para as coisas potentes porque nelas está nossa saída. Invistam seus esforços nas Rafaelas, nas Martas, nos Isaquias, nos Silvas. Invistam nos nossos talentos de todas as áreas e não receberemos de volta apenas medalhas.