17 novembro, 2014

Parecia tarde o que era o alvorecer. Parecia distante o que era íntimo, parecia estranho o delicado. Os mais perdidos são os mais ineficientes, incapazes de se orientar na penumbra de seu tempo. Inconteste, inexato, infalível. Murmuro, sussurro, bocejo. Falta d'água, falta sono, falta promessa. Quando os idealismos caem por terra é como vendaval em um domingo chuvoso. O tempo e as gotas dilaceram. Forças da natureza viva e sem controle. O mínimo de sonho é a porta para o pesadelo, o mínimo de falta é um mundo dentro do abismo. Sonhei muito acordado, sonhei com sonhos, sonhei com a felicidade tardia. Quando o vento sopra no ouvido, palavras de acalento, sinto tanto por mim fraco e sem sono. Nada que uma dose de química pura e aplicada, a contragosto do freguês, não soe como um alarme de um incêndio noturno. Das verborragias da alma, da necessidade insana de por o mundo pra fora, surge o que de mais nefasto existe no mundo, sabe-se o segredo. Já chamaram de pureza, de sacramento. Alguns tem como luxo, outros como sina. Quando o sol é muito forte, nada mais a fazer do que abaixar a cabeça. Quem muito se abaixa, acaba por mostrar a bunda, quem muito rasteja, acaba por ralar a barriga. Assim está escrito num livro sem tinta, sem papel, sem tristeza. A alma faz sulcos, sulcos na pele, buracos na vida, lembranças da morte, morrer sem se estar vivo, tristeza do anfitrião, busca exasperada de fogo, de ardência, do sentir a vida arder.

Poesia noturna, outubro 2014

27 outubro, 2014

Texto publicado inicialmente no Facebook, mas que posto agora aqui.

No meio da madrugada, quando não se ouve nada além de cães e veículos ao longe, um despertar sem se estar dormindo, um cochilo sem se estar acordado enche a cabeça de fantasias e sonhos. No limite entre o real e o faz de conta, tem coisas que são além de contas para pagar. No limite entre a loucura e a sanidade, é melhor não ver os limites. Quando nascemos ganhamos uma roupa, nesta roupa ganhamos todas as promessas de um novo mundo, com o crescer a roupa aperta, faz marcas na pele, e ao longo da vida trocamos muito de roupa, tanto que até é difícil lembrar da última que serviu. Nenhuma roupa é eterna, mas eternidade boa é aquela que rasga no corpo. Às vezes a alma se rompe, rompe com força e delicadeza e do nada nos percebemos cobertos de uma profunda nudez. Ué, cadê minha roupa? Não há mais roupa, não há mais frio ou vergonha, há apenas um corpo, vestido de noite e luar, vestido de mundo e universo, vestido de tempo e pesar.