QUANTAS COISAS
ME TOCARAM NA PRÁTICA
Durante o estágio
percebi uma série de mudanças em mim, senti a cada semana uma profunda sensação
de crescimento. Mas com o crescimento, vieram muitas angústias, muita irritação
e cansaço, como uma antena de sensações eu estava absorvendo tudo o que se
passava a minha volta. Por isso que pensando na minha experiência pessoal de
estagiário que passa a encarar um grupo terapêutico, cheguei ao meu problema de
pesquisa.
Esse primeiro desafio
da prática do fazer psicologia alterou a minha percepção, porque as muitas
coisas que me atravessaram durante esse tempo me mudaram não só como estudante,
mas como pessoa cheia de conflitos que aprende com seus pacientes os ganhos da
convivência. Para Jorge Larrosa (2004) uma experiência é o que nos passa, ou o
que nos acontece, ou o que nos toca. Não o que passa ou o que acontece, ou o
que toca, mas o que nos passa, o que nos acontece ou nos toca. A minha primeira
experiência de estagiário de
psicologia em grupos terapêuticos pôde sim, ser considerada uma experiência,
por que muitas coisas me tocaram nessa prática. Por isso considero a experiência como parte fundamental para
a aprendizagem dos jovens terapeutas. Por que esse despertar do estudante de
psicologia que se depara com a prática clínica chamou a minha atenção pelo fato
de o estudante notar que a principal mudança no seu trabalho está em si mesmo.
Essa experiência no
estágio me afetou, tanto quanto a minha presença afetou os pacientes. Um jovem
estagiário que é colocado em um grupo completamente angustiante e desafiador vivência
com os pacientes seus momentos de descontração, tristeza e reflexão, mas também
vivencia uma ampla gama de sentimentos com relação aos pacientes, mexendo também
com os seus próprios processos internos. Então vejo esse meu contado com a
prática como sendo o de um sujeito da experiência,
um sujeito ex-posto como enfatiza Larrosa (2004), por que o mais importante
durante o período de estágio “não é nem a posição (nossa maneira de pôr-nos),
nem a o-posição (nossa maneira de nos opor-nos), nem a pro-posição (nossa
maneira de propor-nos), mas a exposição, nossa maneira de expor-nos, com tudo o
que isso tem de vulnerabilidade e de risco.” (LARROSA, 2004, p.161)
O Grupo mexe com as
pessoas que o frequentam, porque não seria diferente com o estagiário? O
objetivo do meu trabalho é fazer um relato da minha experiência nesse Grupo de Convivência, como os sentimentos que
circulavam no Grupo afetaram a minha subjetividade, como se deu o meu encontro
com essas sensações, que aprendizados e percepções eu tirei dessa experiência.
Essa experiência
pessoal de grupo é como diz Yalom (2006) amplamente aceita como uma parte
integral da formação e do desenvolvimento profissional continuado. Porque “essa
experiência pode proporcionar muitos tipos de aprendizado que não estão
disponíveis em outras áreas. Pode-se aprender em um nível emocional aquilo que
se havia aprendido apenas intelectualmente. Experimenta-se o poder do grupo – poder
de ferir e poder de curar. [...] Aprende-se a compreender as próprias
capacidades e fraquezas.” (YALOM, 2006, p.428)
Essa maneira de expor-nos
ao que nos pode afetar é rica de significados e aprendizagens, faz com que os
sentimentos nos cheguem sem que forçássemos. Desse modo é impossível negá-los
por que segundo Yalom (2006) eles são tão úteis para o terapeuta como um
microscópio ou um mapeamento de DNA para um microbiologista. É o material com
que iremos trabalhar e aprender a partir de então, é um canal com o qual podemos
nos comunicar intersubjetivamente. E para Zimerman (2000) uma das funções mais
importantes do grupoterapeuta é a capacidade de acolher um intenso, variado e
cruzado jogo de identificações projetivas que [...] recaem mais
concentradamente sobre a sua pessoa, mais exatamente dentro da sua cabeça.
Porém Yalom (2006) alerta “que isso
não significa que os terapeutas devam entender seus sentimentos, preparando um
buque interpretativo. A simples expressão de sentimentos muitas vezes já é
suficiente para ajudar um paciente a avançar”. Penso que avancei também, não me
colocando no papel de paciente, por que a cobrança institucional para que eu me
comportasse como terapeuta me podava um pouco, mas avancei na minha maneira de
pensar, de resolver a complexidade dos processos que se apresentavam.
A metodologia mais
adequada para orientar meu trabalho seria uma pesquisa-intervenção, porque um sujeito
da experiência não pode estar distante das relações do local em que está
inserido, assim como também um sujeito implicado na instituição. É importante
ressaltar a “posição que o pesquisador ocupa nos jogos de poder,
fundamentalmente sua implicação com a instituição [...], e sua abertura para
criar zonas de indagação”. (PAULON; ROMAGNOLI, 2010, p.96)
Antes de distinguir um
objeto de estudo específico e delimitado, preciso entender e compreender os
fenômenos verificados em mim. Os resultados a serem obtidos não são da ordem do
pragmatismo cientificista, nem a sua coleta resultará de um objeto identificado
a priori. Porque meus diários e
relatos de vivência durante o período de estágio serão os materiais necessários
para construir uma cartografia dessa experiência.
Para Paulon e Romagnoli (2010) essa busca se faz em torno de movimentos, de
processos complexos e situações cotidianas.
No Grupo fui obrigado a
aprender da maneira mais angustiante que o importante não é acertar o tempo
todo e que aquelas pessoas depositam muita confiança na nossa figura, confiança
da qual teriam com qualquer outro profissional formado. Também percebi que as
coisas que dissemos por insight fazem muito sentido, ao menos pelo o que a
nossa figura representa. Para encarar um Grupo, qualquer que seja, precisamos
estar em dia com nossas coisas internas, precisamos aprender a lidar com nossos
conflitos para poder lidar com os conflitos dos outros. Porém também é preciso
estar disponível a ver e ouvir o outro, ver o grupo como um todo, mas também
ver suas pequenas partes.
O mais importante de
uma experiência é quando essa lhe provoca
mudanças. Quando faço uma cartografia da minha experiência, faço uma descrição da minha mudança como um conjunto
de aprendizados que ultrapassam a necessidade de conhecimentos acadêmicos e científicos.
O período de estágio é um período onde o aluno deve estar aberto e disponível
para que a aprendizagem aconteça da forma mais natural possível. Encaro essa
vivência “como uma superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta
de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns
vestígios, alguns efeitos.” (LARROSA, 2004, p.160)
Nessa
ciranda da vida, nesse eterno mutável
Somos
um pouquinho de sal e suor,
Somos
um montão assim bem grande de afeto.
4. REFERÊNCIAS
YALOM, Irvin D. Psicoterapia
de grupo: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2006.
LARROSA, Jorge. Linguagem
e educação depois de Babel; traduzido por Cynthia Farina. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artmed, 2000.
PAULON,
Simone M; ROMAGNOLI, Roberta C. Pesquisa-intervenção
e cartografia: melindres e meandros metodológicos. Estudos e Pesquisa em
Psicologia, UERJ, RJ, ANO 10, n.1, p.85-102, 1º Quadrimestre de 2010.
Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a07.pdf