17 março, 2013

Estágio Básico II




QUANTAS COISAS ME TOCARAM NA PRÁTICA



Durante o estágio percebi uma série de mudanças em mim, senti a cada semana uma profunda sensação de crescimento. Mas com o crescimento, vieram muitas angústias, muita irritação e cansaço, como uma antena de sensações eu estava absorvendo tudo o que se passava a minha volta. Por isso que pensando na minha experiência pessoal de estagiário que passa a encarar um grupo terapêutico, cheguei ao meu problema de pesquisa.
Esse primeiro desafio da prática do fazer psicologia alterou a minha percepção, porque as muitas coisas que me atravessaram durante esse tempo me mudaram não só como estudante, mas como pessoa cheia de conflitos que aprende com seus pacientes os ganhos da convivência. Para Jorge Larrosa (2004) uma experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o que nos toca. Não o que passa ou o que acontece, ou o que toca, mas o que nos passa, o que nos acontece ou nos toca. A minha primeira experiência de estagiário de psicologia em grupos terapêuticos pôde sim, ser considerada uma experiência, por que muitas coisas me tocaram nessa prática. Por isso considero a experiência como parte fundamental para a aprendizagem dos jovens terapeutas. Por que esse despertar do estudante de psicologia que se depara com a prática clínica chamou a minha atenção pelo fato de o estudante notar que a principal mudança no seu trabalho está em si mesmo.
Essa experiência no estágio me afetou, tanto quanto a minha presença afetou os pacientes. Um jovem estagiário que é colocado em um grupo completamente angustiante e desafiador vivência com os pacientes seus momentos de descontração, tristeza e reflexão, mas também vivencia uma ampla gama de sentimentos com relação aos pacientes, mexendo também com os seus próprios processos internos. Então vejo esse meu contado com a prática como sendo o de um sujeito da experiência, um sujeito ex-posto como enfatiza Larrosa (2004), por que o mais importante durante o período de estágio “não é nem a posição (nossa maneira de pôr-nos), nem a o-posição (nossa maneira de nos opor-nos), nem a pro-posição (nossa maneira de propor-nos), mas a exposição, nossa maneira de expor-nos, com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco.” (LARROSA, 2004, p.161)
O Grupo mexe com as pessoas que o frequentam, porque não seria diferente com o estagiário? O objetivo do meu trabalho é fazer um relato da minha experiência nesse Grupo de Convivência, como os sentimentos que circulavam no Grupo afetaram a minha subjetividade, como se deu o meu encontro com essas sensações, que aprendizados e percepções eu tirei dessa experiência.
Essa experiência pessoal de grupo é como diz Yalom (2006) amplamente aceita como uma parte integral da formação e do desenvolvimento profissional continuado. Porque “essa experiência pode proporcionar muitos tipos de aprendizado que não estão disponíveis em outras áreas. Pode-se aprender em um nível emocional aquilo que se havia aprendido apenas intelectualmente. Experimenta-se o poder do grupo – poder de ferir e poder de curar. [...] Aprende-se a compreender as próprias capacidades e fraquezas.” (YALOM, 2006, p.428)
Essa maneira de expor-nos ao que nos pode afetar é rica de significados e aprendizagens, faz com que os sentimentos nos cheguem sem que forçássemos. Desse modo é impossível negá-los por que segundo Yalom (2006) eles são tão úteis para o terapeuta como um microscópio ou um mapeamento de DNA para um microbiologista. É o material com que iremos trabalhar e aprender a partir de então, é um canal com o qual podemos nos comunicar intersubjetivamente. E para Zimerman (2000) uma das funções mais importantes do grupoterapeuta é a capacidade de acolher um intenso, variado e cruzado jogo de identificações projetivas que [...] recaem mais concentradamente sobre a sua pessoa, mais exatamente dentro da sua cabeça.
 Porém Yalom (2006) alerta “que isso não significa que os terapeutas devam entender seus sentimentos, preparando um buque interpretativo. A simples expressão de sentimentos muitas vezes já é suficiente para ajudar um paciente a avançar”. Penso que avancei também, não me colocando no papel de paciente, por que a cobrança institucional para que eu me comportasse como terapeuta me podava um pouco, mas avancei na minha maneira de pensar, de resolver a complexidade dos processos que se apresentavam.
A metodologia mais adequada para orientar meu trabalho seria uma pesquisa-intervenção, porque um sujeito da experiência não pode estar distante das relações do local em que está inserido, assim como também um sujeito implicado na instituição. É importante ressaltar a “posição que o pesquisador ocupa nos jogos de poder, fundamentalmente sua implicação com a instituição [...], e sua abertura para criar zonas de indagação”. (PAULON; ROMAGNOLI, 2010, p.96)
Antes de distinguir um objeto de estudo específico e delimitado, preciso entender e compreender os fenômenos verificados em mim. Os resultados a serem obtidos não são da ordem do pragmatismo cientificista, nem a sua coleta resultará de um objeto identificado a priori. Porque meus diários e relatos de vivência durante o período de estágio serão os materiais necessários para construir uma cartografia dessa experiência. Para Paulon e Romagnoli (2010) essa busca se faz em torno de movimentos, de processos complexos e situações cotidianas.
No Grupo fui obrigado a aprender da maneira mais angustiante que o importante não é acertar o tempo todo e que aquelas pessoas depositam muita confiança na nossa figura, confiança da qual teriam com qualquer outro profissional formado. Também percebi que as coisas que dissemos por insight fazem muito sentido, ao menos pelo o que a nossa figura representa. Para encarar um Grupo, qualquer que seja, precisamos estar em dia com nossas coisas internas, precisamos aprender a lidar com nossos conflitos para poder lidar com os conflitos dos outros. Porém também é preciso estar disponível a ver e ouvir o outro, ver o grupo como um todo, mas também ver suas pequenas partes.
O mais importante de uma experiência é quando essa lhe provoca mudanças. Quando faço uma cartografia da minha experiência, faço uma descrição da minha mudança como um conjunto de aprendizados que ultrapassam a necessidade de conhecimentos acadêmicos e científicos. O período de estágio é um período onde o aluno deve estar aberto e disponível para que a aprendizagem aconteça da forma mais natural possível. Encaro essa vivência “como uma superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos.” (LARROSA, 2004, p.160)
Nessa ciranda da vida, nesse eterno mutável
Somos um pouquinho de sal e suor,
Somos um montão assim bem grande de afeto.
4. REFERÊNCIAS

YALOM, Irvin D. Psicoterapia de grupo: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed, 2006.
LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel; traduzido por Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
ZIMERMAN, David E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artmed, 2000.
 PAULON, Simone M; ROMAGNOLI, Roberta C. Pesquisa-intervenção e cartografia: melindres e meandros metodológicos. Estudos e Pesquisa em Psicologia, UERJ, RJ, ANO 10, n.1, p.85-102, 1º Quadrimestre de 2010.
Disponível em: http://www.revispsi.uerj.br/v10n1/artigos/pdf/v10n1a07.pdf

Poemas

Dois poemas que escrevi há alguns anos atrás, mandei estes já faz algum tempo para a revista Cult, mas não sei nem se foram publicados, por que não recebi nenhuma resposta deles, então, por que não publicar meu "material inédito" aqui?!


Falar sozinho

Minha esquizofrenia não tem corpo, cor ou cheiro,
Talvez os sapatos que ainda mantenho,
Viva a imagem de quem um dia anseio.
Talvez um dia viesse me visitar.

Minha esquizofrenia talvez fosse triste e solitária
Mas não tem nada de figuras,
Antes fosse imaginária,
Vida própria, vida dura.

Minha esquizofrenia é simples, é muda,
Pouco cega nada surda,
Ouve bem sacudir os prantos,
Ouve tudo, mas não lembram tantos.

Esquisitice amarga que se sente,
Uma falta de entusiasmo.
Nas horas tristes se faz presente,
Mas é alegre no meu descaso.


Veraneio

Beijos como agulhas,
Feridas imaginárias,
Epiderme ensolarada.

Preto no branco,
Fotos desbotadas,
Ave encarcerada.

A brisa do mar,
O cheiro de mato,
Carne chamuscada.

O brilho das estrelas,
O breu do telhado,
Ressaca disfarçada.

Relógio parado,
Horas intermináveis,
Unha mal cortada.

A mesa do silêncio,
Vento na janela,
Comida requentada.

Amigos ocultos,
Pacotes desfeitos,
Flores na calçada.

Tarde monótona,
Palavras vazias,
Camisa engordurada.

Longos abraços,
Lágrimas nos olhos,
Sonhos na estrada.
 
Poemas escritos por Elton Borba