21 março, 2020

Bom retiro

Bom retiro

Um sítio pra criar ovelha e galinha, ia plantar batata, batata doce, mandioca e bergamota, ia ter um pé de butiá grande na porteira e muita sombra perto de casa, ia ter uma carroça mas não ia ter cavalo pois nunca aprendi andar a cavalo, teria uns dois ou três cusco vadio e de noite ia ouvir os graxaim e uns mão pelada por perto de vez em quando, ao anoitecer ia ter uns quero-quero num descampado logo abaixo e de manhã eu ia ver o cerro coberto de geada pra logo no meio dia chorar um pouco de saudade, a tardinha capinar a horta e na madrugada teria sonhos e amigos junto de vinho, amendoim e fumaça, a vida seria simples e o fim próximo, mas ia tudo bem, tudo ia bem.

Março de 2020

30 setembro, 2018

30 de setembro de 2018/inacabado

O fenômeno Bolsonaro e o recrudescimento do fascismo nosso de cada dia está aí, dado à luz do dia, os esqueletos caíram do armário e não há mais armários para ocultá-los. A tarefa agora que se impõe é uma grande análise institucional, num sentido mais próximo do sentido psicanalítico do termo, da nossa sociedade e de nossa história, assim como a África do Sul fez com o presidente Nelson Mandela após o fim do regime de apartheid, ou ainda mais perto, como tem feito nossos vizinhos uruguaios, argentinos e chilenos a respeito de seus períodos ditatoriais. Não é mais possível que se viva sob à sombra do militarismo e de suas ameaças. O mais próximo que tivemos desse tipo de análise de nossa história foi com a comissão da verdade que teve pouca ou quase nenhuma repercussão na sociedade brasileira. Não tanto por conta dos interesses do governo Dilma, talvez pelos acordos com os setores militares, mas sobretudo por causa de uma condescendência da mídia em não dar a visibilidade necessária para esses debates no âmbito nacional. A mídia brasileira é condescendente com o recrudescimento do fascismo em não fazer nenhum tipo de crítica às crescentes manifestações de ódio ao longo do anos. Muitos dividem essa conta e devem dividir a responsabilidade.

12 setembro, 2018

12 de setembro de 2018/ inacabado

Sou contra o voto útil! Tanto que num futuro segundo turno entre o milico e o Andrade, vou votar branco. Assim mesmo, branco! Querem descambar o país pro colapso, então vamos abraçar de uma vez o capeta. Talvez assim, no ponto mais alto do esgotamento dos arranjos políticos institucionais, se opere alguma mudança. Já se brincou demais com as contradições da legalidade política, jurídica e institucional brasileira para ofertar pra população um retorno do que poderia ter sido melhor e não foi, arriscando a própria estabilidade futura do processo. Dilma foi tirada do alto de sua legitimidade eleitoral e política, porque acham que a partir do dia 1º de janeiro de 2019 estabilizaremos os ânimos no país rumo ao progresso e ao desenvolvimento? Ingenuidade de quem já esqueceu por quê grita golpe, golpe, golpe. Não há uma candidatura de centro-esquerda sem o telhado de vidro, então que se quebre de uma vez o protocolo. Não se fique brincando de ONU pra lá e pra cá. Se respeitou todos os ritos na ingênua confiança de um respeito a letra fria da lei, como se os processos todos já não estivessem viciados desde o seu início. O partido dos trabalhadores já deu provas suficientes de que ou a esquerda é com eles ou contra eles, não abandonando a hegemonia do cabeça de chapa.

01 setembro, 2018

01 de setembro de 2018/ inacabado

Já repararam que não tem esquerda no Brasil? Não tem uma identidade de esquerda. Alguns dizem que o PT não é esquerda, que o PDT não é esquerda, que o PCdoB não é esquerda, ninguém é de esquerda. Talvez por isso a dificuldade tão grande de uma frente ampla de esquerda, talvez por isso a dificuldade de alianças nacionais progressistas. Porque ninguém é de esquerda, e a esquerda que acusa esses partidos de não serem de esquerda, é uma esquerda eleitoralmente insignificante, com poucos congressistas, bancadas minúsculas e poucos cargos no executivo. Não quer dizer que não sejam boas e batalhadoras bancadas, mas que são bancadas com poderes e apoios ínfimos. Também não há uma forte identificação popular com a esquerda e também com suas pautas. Existe muita identificação com pessoas, figuras políticas específicas da esquerda, mas muitas vezes as pessoas que admiram essas figuras não se reconhecem como esquerda, não se identificam com a esquerda eleitoralmente falando. De modo que uma transferência de votos de uma figura ímpar da política nacional para a esquerda não é uma regra, talvez muito menos uma tendência. Claro que existem muitas esquerdas, muitos tipos de identificação, muitos comportamentos eleitorais e etc. Mas até quando discutiremos o sexo dos anjos da esquerda. Até quando o discurso do somos pequenos, mas somos idôneos vai ser suficiente para realmente conquistar alguma coisa e pôr um pouco em prática os ideais e políticas para aqueles que mais precisam? Me parece que o discurso do "somos pobres mas somos limpinhos" não tem ganho tanto apoio assim, com algumas e talvez parcas e isoladas exceções. E eu não estou falando de um partido específico que por acaso começa com P e termina com SOL, mas isso também vale para partidos maiores e mais antigos que já conquistaram lugares importantes, mas que parecem estar travados, empenados nos 20% da população. O que é bem verdade é que temos poucas lideranças nacionais capazes de aglutinar em torno da legenda uma identificação maior. Brizola, Lula, Dilma e até mesmo Ciro ainda são poucas exceções num cenário que tem afunilado ainda mais. Brizola já morreu e Lula, ao que parece, ficará um bom tempo preso.

28 agosto, 2018

28 de agosto de 2018

Acabei de assistir a entrevista/sabatina do Guilherme Boulos na TV Brasil e digo que é visível o quanto ele evoluiu como candidato à presidência da República nas últimas semanas. Eu ainda não decidi meu voto pra presidente e com certeza vai ser o voto mais difícil dessas eleições, mas é muito bom ver o alto nível e a clareza de propostas e soluções que a candidatura do PSOL tem mostrado. Desde o início da campanha, um pouco antes também, a candidatura do Boulos apostou nas frases prontas na linguagem dos memes e nas tentativas de lacração, mas deu pra percebeu que ele deu uma grande melhorada nesse aspecto, mostrando uma maturidade política que só tem a crescer nos próximos anos.
Para mim, o maior compromisso da esquerda nessas eleições é interromper o crescimento alarmante do candidato fascista. Penso que menos lacração e mais firmeza em desmontar as visíveis e flagrantes incoerências e fragilidades do discurso de Bolsonaro é o caminho pra alcançar aqueles eleitores indecisos que não se identificam com o perfil do Bolsonaro, mas que querem soluções rápidas e efetivas para seus problemas cotidianos. Eu também penso que vai ser muito difícil converter eleitores racistas, machistas, homofóbicos e herdeiros da ditadura pra esquerda. Mas é preciso atentar para a complexidade da população e do eleitorado brasileiro que, num cenário sem Lula, opta por Bolsonaro ou outros candidatos da direita pela insatisfação e pela não identificação com as pautas e com o discurso da esquerda que é, muitas vezes, distante e difícil para a realidade da maioria da população brasileira.
Embora eu defenda a liberdade de Lula e denuncie a flagrante perseguição política e jurídica, considero que a aposta na candidatura de Lula nos expõe a um risco eminente. Não me parece claro que, na previsível impugnação da candidatura de Lula pelo TSE, haverá uma transferência de votos de Lula para a chapa Haddad e Manuela tanto quanto o partido dos trabalhadores prevê, e chegar no segundo turno parece ser o maior desafio das candidaturas progressistas. Ciro e Marina despontam como os candidatos com maior musculatura política, no meu entendimento, para enfrentar os desafios que se anunciam. Queria eu, num plano ideal de realidade, que um candidato de centro minimamente progressista pudesse nos tirar dessa já desgastada polarização eleitoral entre PT e PSDB. E não penso nisso como uma mudança pela mudança, porque não desejo qualquer candidato, mas penso nisso como forma de vislumbrar uma democracia mais madura e mais estável que contemple realmente um projeto de país e nação para as gerações futuras. Quero dizer com isso que nos condicionamos nessa polarização e nos limitamos com isso.

10 agosto, 2018

10 de agosto de 2018/Inacabado

Acompanhar teorias da conspiração não é acreditar nelas, é saber como funcionam, como surgem, como se espalham e se propagam, quem as operacionalizam, quem as financiam e quem são os que se orientam a partir delas. Criar toda sorte de teorias e complôs não é um absurdo de pessoas com sintomas persecutórios, é uma estratégia de subjetivação discursiva, uma estratégia de orientação política de combate cultural, é uma estratégia propagandista de convencimento nenhum pouco nova e nem um pouco ineficiente. Acreditamos, dentro da esquerda, que muitas dessas estratégias são da ordem da ficção, de um misticismo persecutório que não deve ser levado a sério, mas mesmo essas ficções são vendidas como verdades para pessoas comuns, indefesas aos ataques...

12 junho, 2018

12 de junho de 2018

Se vocês estão comparando a Copa do Mundo FIFA com o prêmio Nobel, comparando os méritos entre os países que os conquistaram. Vocês precisam estudar minimamente um pouco da história do prêmio Nobel e dos brasileiros que já foram indicados a ele. Como tudo no mundo é política e jogo de influências, no prêmio Nobel não seria diferente. É a mesma história de por que o José Sarney é imortal da Academia Brasileira de Letras e o Mario Quintana não. A comparação que vocês fazem é esdrúxula e só afasta as questões dos verdadeiros problemas. Se a Copa é o pão e circo dos brasileiros, vamos comer e brincar até se esbaldar, porque a brincadeira e a festa também são parte da política. O futebol é tão político quanto a história de suas instituições (FIFA e CBF). Parte da esquerda brasileira descobriu como que por acaso que os caminhoneiros são uns bárbaros que não escutam Bossa Nova e Caetano Veloso e agora separam, num outro ataque de elitismo intelectual, o entretenimento proporcionado pelo mundial da vida política. Como se já não fôssemos roubados e achacados sem nem gritar gol. Ainda mais gritando. Se o Brasil é, ou era até 2014, uma potência só no futebol mundial, o problema não é intrínseco ao futebol, ou a qualquer outro desporto coletivo, mas de uma série de outros fatores e atravessamentos históricos e geopolíticos.
Não há conscientização sem educação e isso é sabido, mas assim como Paulo Freire ensinava sobre a importância de um pedagogia da autonomia que reconhecesse os saberes e valores prévios das pessoas, é preciso minimamente entender como pensa e o que deseja o "povo", o cidadão comum para construir a conscientização do seu papel político (e revolucionário) no mundo. A conscientização e o senso crítico não virão com La Casa de papel, ou qualquer série muito que bem intencionada fruto da alta cultura do entretenimento streaming, nem nas sofregas leituras matutinas de um Dostoiévski no café da manhã contemplando o vazio da existência e o sem sentido da vida. Embora uma pesquisa recente tenha relevado que há alguma politização através dos memes, nós bem sabemos que - e eu sei que não mais que uns poucos amigos aqui vão ler esse texto até seu final - certas coisas não ultrapassam a nossa bolha dentro das redes sociais. Então, sem querer ser fiscal de porra nenhuma, mas já sendo, você não está ajudando em nada em construir uma crítica realmente relevante comparando Brasil e Canadá em mundiais de futebol e prêmios Nobel (seja lá de que área do Nobel seja). Os alemães, ingleses e franceses tem também vários prêmios Nobel e também se interessam tanto quanto os brasileiros pelo futebol, mas qual é a verdadeira diferença que temos em relação a eles?