11 dezembro, 2017

11 de dezembro de 2017

Concordo que Auschwitz seja um paradigma sobre o problema da modernidade para a filosofia ocidental, mas tenho me perguntado nesses últimos dias se para os filósofos, não só para os brasileiros e latinoamericanos, nossos genocídios não são importantes paradigmas para se fazer filosofia? Será que 500 anos de genocídio dos povos originários não são um problema filosófico relevante? Será que 300 anos de escravidão do povo negro não é um problema em se levar em conta? Será que nossas décadas de ditaduras militares não são importantes problemas para a filosofia? Será que nossas milhares de vítimas de sistemas opressores não são importantes para lançar um olhar sobre o problema da razão, do direito, da ciência, do poder e até da ontologia, epistemologia, metafísica? Salvo as muitas exceções de filósofos e demais pesquisadores e estudiosos que se debruçam sobre esses estigmas há anos, ainda me faço essas questões como forma de pensar em quão atuais elas ainda nos são, de como elas formam nossa realidade nos detalhes e também nos arranjos estruturais da sociedade brasileira e latinoamericana. Ainda hoje os indígenas são assassinados pelo simples fato de serem indígenas, isso não nos diz algo sobre a anulação do outro, sobre a extinção do outro, sobre a banalidade do mal por exemplo? Isto é, existe um paralelo possível entre as questões suscitadas pelo genocídio do holocausto judeu e os nossos genocídios. Existe um ponto comum entre as consequências dos projetos de modernidade sobre os povos americanos e africanos com o extermínio nazista do povo judeu. Isso sem escala de importância, pois são irmãos em suas tragédias. Mas não seria possível pensar as reservas indígenas sob o mesmo paradigma do campo de concentração? Pois o problema que torna Auschwitz o ponto de ruptura que faz filósofos como Adorno e Agamben lançarem a questão de como pensar ou viver depois de Auschwitz, é um problema que vem ocorrendo nas Américas e na África desde o século 16 ininterruptamente. Isto é, uma solução final, um extermínio perpetrado em nome da civilização, em nome do progresso, sem falar em nome do capital. E a mediação do capital, da exploração das riquezas naturais e humanas dessas terras é colocada quase como uma desculpa que justifica esses crimes como se estes não fossem motivados pelo ódio puro e simples. Apenas os nazistas odiaram suas vítimas, as vítimas dos outros foram apenas contingências da ganância dos exploradores. No fundo, negros e indígenas foram objetos exóticos que sequer foram alçados à categoria de humanos em plena igualdade enquanto vítimas. E se os judeus foram anulados enquanto humanos por seus algozes nazistas, o povo negro e indígena não chegou a esse ponto por seus dominadores europeus. Então a pergunta que me faço é, como viver depois do extermínio negro e indígena? Como pensar a educação depois da escravidão? O que resta do humano depois do racismo? Parecem questões que levam ao problema de que não é Auschwitz que funda o imperativo político-moral que vivemos, mas foi a dominação desses povos que fez Auschwitz possível.